sexta-feira, 10 de julho de 2009

Dois Quarteirões depois da Caps Lock (Em construção)

No meu teclado mora uma formiga. Dessas pequenas que não se sabe ao certo se faz mal ou bem quando misturada ao café com leite. Todos os dias, quando ligo o computador, ela sai lá de dentro sonolenta e atrapalhada. Corre por sobre o teclado, entra aqui e ali pelas frestas entre as teclas e eu tomo cuidado para não esmaga-la porque também estou dormindo ainda. Depois de algum tempo, desaparece mesa afora e as vezes a encontro tentando ler os papeis impressos. Não me parece que goste de manuscritos.

Fico pensando no barulhão que devo fazer ao acionar das teclas lá dentro e confesso que algumas vezes aperto devagar a tecla F11 antes de ligar o computador. É que ela deve morar entre a Print Screen e a F12; sempre a vejo saindo de lá. Fico imaginando ela dando o seu endereço residencial para as colegas.

Bom, mas o fato é que nunca havia imaginado que o teclado fosse um condomínio de formigas, até vira-lo ao contrario num dia em que a tecla Num Lock se recusava a funcionar. Saíram dúzias de dez pequenas formigas alem de pedaços minúsculos de pão ou coisa parecida e vários cabelos brancos. Não tinha me dado conta também de que meus cabelos estivessem caindo.

Depois da indignação pelos cabelos e casquinhas de pão levadas para o interior do teclado, fiquei pensando na sociedade de formigas que se havia montado bem na minha frente, sem que eu me desse conta. Talvez a formiga primeira tivesse mandado buscar na cidade dela as suas parentes dizendo que havia adquirido, aqui na capital, um bairro inteiro e que era preciso habita-lo antes que outras famílias o fizessem.

A formiga que eu via não deveria ser a mesma. Também seria impossível distinguir quem era quem e elas devem ter treinado para evitar que eu descobrisse que ao invés de uma formiga solitária, todo um clã numeroso habitava no teclado. Depois da descoberta, passei a prestar mais atenção nas suas atividades.

Lá pelas 10 e tanto da manhã o sol bate na minha mesa de trabalho e, não sei se é porque descobriram que já sei do seu segredo, se é porque nessa época do ano o sol entra numa inclinação ideal para a saúde das formigas ou se é só porque agora percebo que elas estão por ali, mas o certo é que muitas delas saem como que para passear. Algumas saem aos grupos e penso que talvez seja uma excursão da escola infantil até algum parque de diversões ali próximo.

Sei que serei motivo de riso se essa história se espalhar mas acho que me faz bem ao ego ser um benfeitor para aquelas formigas. Talvez até mereça uma praça com meu nome ou um lugar de destaque em suas orações. Num mundo onde não se pode ver uma bichinha dessas que logo se corre para mata-las, fico eu acobertando um bairro inteiro delas. Não admito que a faxineira encoste em minha mesa de trabalho, sob pretextos mil, alegando que a desordem que reina é justamente a organização que não se vê, porque lá sei aonde estão todos os meus papeis e se mudarem a ordem nunca mais conseguirei trabalhar direito. Por outro lado, vez por outra levo um misto-quente para comer enquanto trabalho porque é certo que algumas casquinhas irão cair para ajudar no lanchinho das formigas.

Certo dia receie que a comunidade tivesse sido descoberta quando tive que recusar o presente de um teclado sem teclas, sem frestas nem nada, eletrônico segundo me disseram. Bastava roçar o dedo sobre a letra e ela já aparecia na tela, sem barulho nenhum. Foi o que precisei para dizer não: eu disse que o barulhinho das teclas, o clank clank é que me dá a exata noção do quanto trabalho. Nessa tarefa espinhosa de recusa minha mulher me ajudou pois disse que sem o barulho ela também não saberia se estou trabalhando ou dormindo na frente do computador que ela não consegue ver com facilidade enquanto cuida da administração da casa e de tudo mais.

Às vezes me estendo até mais de duas da madrugada usando o computador e vejo uma ou outra fazendo um passeio noturno, ou talvez deva ser um guarda noturno, afinal as formigas são muito organizadas. Vez por outra penso que elas também estejam pensando em mim:

- Pô ... esse cara não se toca que já são duas da madrugada e nós precisamos dormir para acordar cedo e ir trabalhar?

- Calma querido. Você não percebe que ele está doente da cabeça. Fala até com formigas!

- É... você deve ter razão... melhor deixar esse xarope pra lá.

Ai viram pro outro lado e dormem, certos de que o deus das formigas os abençoará por serem tão compreensivas e complacentes.

Quanto a mim, continuo aqui sem entender como meus próprios cabelos vão parar dentro do teclado, uma vez que não escrevo com a cabeça sobre ele.

Um comentário:

  1. Cara que história!!!! Fenomenal!!! Voce é um escritor como poucos que já vi e que já li. Uma veia que consegue mesclar o surrealismo com a animação criada na mente de todos nós, criando uma história em que o leitor se sente participante... eu garanto que de hoje em diante verei as formigas com um olhar de desconfiança... vai que me ouvem...

    Parabéns, muito bom, show... Espero pelo capítulo 2!!!

    ResponderExcluir

Agradeço o seu comentário. Faça-o com a maior liberdade e honestidade possível.